quinta-feira, 15 de maio de 2008

Estou de luto pelo I.S.C.S.P.


Fui à minha faculdade no passado dia 13, para assistir a uma conferência que tinha como tema, “A melhor forma de governo”, isto no âmbito das jornadas de Ciência Política, organizadas pelo Núcleo de Ciência Política. Os oradores convidados foram o Prof. António Marques Bessa, o Prof. António Sousa Lara e o Prof. José Adelino Maltez, assim sendo, tudo apontava para uma boa discussão sobre o tema proposto.
A conferência começou e logo o clima se tornou pesado. Foi com tristeza que ouvi o Prof. José Adelino Maltez, iniciar a sua intervenção com o “anúncio” de que lhe havia sido retirada a sua liberdade académica. Maior foi a minha tristeza, pois vejo-lhe reconhecida a verdade das suas afirmações. Maior foi a minha tristeza, pois perante tal afirmação, a minha surpresa foi nula. Maior foi a minha tristeza, pois estava eu no I.S.C.S.P. Maior foi a minha tristeza, pois ainda estava em Portugal.


Tal brilhante pensador estava ali, à nossa frente, prestes a embrenhar num exercício de revolta, numa mostra de liberdade critica pré sancionada, num imperativo moral maior do que uma qualquer subjugação de interesses, parte de uma sublevação pró liberdade, verdadeiramente digna desse nome. Talvez porque “escrever é assumir o risco de viver, de estar sempre à beira de um abismo onde, muitas vezes, não existem corrimões nem as habituais redes protectoras que nos sustenham a queda, como é habitual neste país de meias tintas…” (6ª citação), este académico decidiu-se por nos ler um texto, composto por trinta citações. Texto este que importa referir, não é de agora, nem foi escrito para o propósito. Por ironia do destino, na conferência sobre “a melhor forma de governo”, aprendi o que significa, e em que resulta a “pior forma de governar”.


Estava claro o que ali se passava, este era um grito contra a repressão disfarçada de bonito. Numa realidade que se prova difícil de engolir e impossível de extrair, onde a verdade cai nos ouvidos surdos de quem não pode, não quer ou não lhe convem ver. “E agora tudo se disfarça com as mãos papudas do salamaleque de salão, com a cadeirinha de coiro preto, sacanamente posta para o tolo do gabiru julgar que o assassinato pode ser gratificante. E tudo sempre na solenidade ritual de gabinetes grandiosos, onde a luz esguia dos candelabros, o óleo frio dos quadros épicos e o retorcido das escrivaninhas, nos parece transportar para a delícia cultural dos livros de carneira cheios de bicho, cheirando ao mofo dos inquisidores da treta.” (10ª citação).



Oiço com ouvidos de ler, aquelas palavras, entusiasmado pelo sentido do conteúdo, mas ao mesmo tempo com medo… medo de que naquele microcosmo, estar a ver reflectido o meu Portugal. Um “regime de pequenos feudalismos em que se enreda o oportunismo lusitano, o longo prazo do combate por ideias nunca conseguirá ter qualquer espaço de comunicação com o frenesim do mediático” (14ª citação), até porque, “a rede de dependências e medos vai continuar enquanto não assumirmos que em situações pós-totalitárias e pós-autoritárias, mesmo depois de se eliminarem os aparelhos visíveis da repressão e da corrupção, permanecem os subsistemas de medo e de venalidade que os mesmos geraram” (12ª citação).


É nesta realidade onde se transmitem quereres e saberes, em que se ocultam desejos e inclinações, de onde se toldam futuras mentes e futuros agires, que se segue impunemente a fina arte da destruição do puro intelecto, despido de preconceitos ou de pré estabelecimentos do seu próprio devir. Assim acontece, “porque, aqui e agora, o dinheiro que compra o poder e a inteligência, o dinheiro que dobra as vontades, começa a tornar-se no valor predominante” (5ª citação). Aparentemente, neste tipo de realidades, “o chefe supremo tem sempre as mãos higienicamente desinfectadas, porque ele apenas é mais um desses honestos que, infelizmente, tem que gerir uma plebe de intermediários desonestos, desde a bufaria dos serviçais que esperam ser promovidos, à minoria dos jagunços violentistas, numa rede que só é eficaz se o vértice continuar a parecer o exacto contrário daquilo que o conjunto é, na realidade” (11ª citação).


Não pretendo fingir entender a complexidade do que realmente é. Apenas posso falar daquilo que experienciei, daquilo que vivi. Simplesmente revejo nestas palavras a expressão da minha própria revolta, contra o situacionismo que teima em se enraizar, nas mentes dos indivíduos e na aura social. Sem saber, foi com estas palavras em mente que eu lancei no ano passado, “O Encoberto”, um jornal na altura anónimo, de distribuição gratuita, que pretendia trazer à luz, tudo o que se sussurrava na escuridão dos corredores. A escolha pelo anonimato – por muito questionável que possa ser – serviu muitos propósitos, mas nunca aquele de caluniar ou injuriar impunemente, nem mesmo o de me livrar de represálias, mais ou menos previsíveis (até porque ainda sou aluno do I.S.C.S.P. e como tal, ainda estou desprotegido de qualquer “investida”). A quem lhe interesse confirmar, todas as edições d”O Encoberto”, estão disponíveis neste blog. Aquilo que tenho a dizer do I.S.C.S.P., já lá foi dito e de uma maneira ou de outra aquilo que lá foi dito, custa-me muito repetir.



Muito difícil de digerir, é a verdade de uma coisa que não existe, existindo. Muito difícil é provar o existir de uma coisa que não se vê, vendo. Mas porque, “de boas intenções está o inferno do pseudo-reformismo cheio” (23ª citação), acredito que o motor da revolta sentida, da indignação orientada, seja que “nós e aquilo que temos a ilusão de criar não passamos da poeira de um caminho que nossos vindouros hão-de calcorrear. Importa ter a humilde consciência deste dever. De sermos parcela da longa corda de transmissão de um sinal de sonho. E é nesta postura de serviço que conquistaremos a eternidade, mesmo que não o registem em nota de pé de página” (7ª citação).
Por isto e por muito mais… estou de luto pelo I.S.C.S.P..

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