O projecto de lei sobre o divórcio unilateral sem invocação de motivos foi chumbado no parlamento dado que o PSD e o CDS votaram contra e o PS absteve-se. O debate, porém, não deveria terminar. Numa altura em que o tema está “quente”, mais pessoas deveriam mostrar o que pensam, de modo a que mais metas sejam alcançadas. A Igreja Católica, por exemplo, depois de algumas derrotas “morais”, não poderia deixar de se pronunciar sobre o assunto.
O bispo D. Carlos Azevedo afirmou que, “O facilitismo não ajuda as pessoas. E a lei tem uma função pedagógica nisso, ajuda as pessoas a pensarem bem antes de darem o primeiro passo.” Estarão as pessoas dependentes da função pedagógica da lei, para tomarem decisões relativas ao foro íntimo? O que quererá esta afirmação dizer, senão que nos devemos sujeitar ao que nos é imposto, ao invés de promover um leque mais vasto de informação, de modo a que possa ser atingida uma opção livre e melhor ponderada? Não me deixo levar pelas teses ultra-conservadoras, de que as acções do Homem comum têm de ser orientadas, sob pena de este se deixar levar pelos impulsos ou inclinações mais básicas, degenerando para um ser imoral (ou mesmo amoral). Antes pelo contrário, penso que quanto mais orientação, menor a incidência de uma moral livre e verdadeira logo, quaisquer tentativas de predeterminar a moral dos indivíduos são em si um falhanço. Pois, a moral é lógica e racional, sendo assim necessário que a moral parta da liberdade de pensamento e acção, e não do seu contrário.
Mais ainda, os divórcios não são estimulados por acção directa da lei. Segundo o Público, “com a Revolução de 25 de Abril de 1974, o número de divórcios sofreu uma subida acentuada no território nacional.” De acordo com o INE, a taxa de divórcios era em 1975 de 0,2 por cada mil habitantes. Em 1981 já ascendia a 0,7 e em 1991 já alcançava os 1,4. Em 2001 o indicador estava no 1,8. Podemos afirmar que após o 25 de Abril as pessoas sentiram-se compelidas a divorciar-se? Ou a ideia de liberdade associou-se à ideia de liberdade individual? Não é difícil de conceber que sob um regime autoritário a ideia de escolha está condicionada ao ponto de traduzir-se em casamentos “aparentemente” mais estáveis. Sou mais adepto da noção de que o clima de instabilidade influenciou a subida dos divórcios. Quanto mais estável o Estado e mais estável a sociedade, mais estáveis os casamentos, com ou sem imposições externas.
Não me deixo corromper pela ideia de que a instituição família está em crise ou a de que o divórcio é um factor exclusivamente negativo que apenas impõe “stress” sobre esta instituição. A instituição família não se está destruir, está sim a alterar-se, algo que não é novo para esta. Escolhe-se o ano e\ou a zona geográfica e escolhemos o tipo de família, sendo todos perfeitamente funcionais. Acontece que a família é – tal como o Homem – altamente adaptável, agindo de acordo com as circunstâncias em que se encontra. Todo o stress que é imposto sobre a família, advém do facto de a consciência colectiva ser em algumas questões, menos dinâmica do que a própria família. Muito devido às forças de bloqueio, que fazem sentir a sua presença na sociedade. É certo que o divórcio trás consigo alguns aspectos negativos, no entanto pode também conter algo de positivo. Não será difícil de argumentar que o divórcio, alivie a família de conflitos internos que poderiam trazer mais males do que bens. A maior parte dos problemas associados ao divórcio nasce dos indivíduos e das suas atitudes e não do divórcio em si. Sendo assim, esses mesmos problemas, trariam piores repercussões caso houvesse uma continuação do casamento quer para a família, quer para os directamente envolvidos.
Ainda segundo o mesmo bispo, o "matrimónio é uma instituição da sociedade", "já existia antes da Igreja", assim o "Estado tem obrigações para com essa instituição", "deve defender a união entre as pessoas". Seguindo esta ordem de ideias o individuo é uma “instituição” que precede o matrimónio, logo o Estado tem a obrigação de proteger a liberdade de escolha deste, enquadrando-o devidamente na sua própria esfera de liberdade. Já o padre Duarte da Cunha (ex-responsável da Pastoral da Família na diocese de Lisboa) acredita que “estamos perante uma cultura da desistência” e acusa a iniciativa parlamentar de ser uma "sentimentalização excessiva do amor". Gostava de saber como “sentimentalizar excessivamente” um… “sentimento”; ou estarei a argumentalizar demasiado o argumento? O presidente da conferência episcopal, D. Jorge Ortiga, disse que "não há amor sem sofrimento e sem dor". Isto é inteiramente verdade, alguém que queira manter o amor não pode fazê-lo sem sofrimento nem dor, sendo Quer a palavra de ordem.
Não é minha intenção ultrapassar a barreira do admissível e classificar as declarações dos religiosos, gostaria porém de relevar que o Estado laico existe por alguma razão e que a igreja não possui o monopólio da moral. Uma coisa é orientar o rebanho católico num ou noutro sentido, outra, completamente diferente, é pretender fazê-lo com o Estado de direito, entidade essa que abarca todos os portugueses. Consta no DN que D. Carlos Azevedo considera que o projecto que será debatido a 16 de Abril, é mais um sinal claro da postura de afrontamento que o actual Governo assumiu relativamente à Igreja Católica. O afrontamento existe, mas não é do governo, é sim de uma sociedade que avança no sentido de maior liberdade e de uma democracia melhor consolidada.
A “liberalização” do divórcio litigioso com a redução de um ano (recentemente aprovado), como período de separação, após o qual o divórcio é decretado, é um passo no caminho de um casamento mais livre. Entre os muitos argumentos que já foram arremessados, houve um que diz menos do que todos os outros: “Só se pensa na liberdade do que se quer divorciar. E onde está a liberdade do que não se quer divorciar.” Parece-me plausível que numa relação, ambas as partes tenham que estar de acordo quanto á manutenção desta. Aqui cito Helena Pinto do Bloco, “é ou não uma razão objectiva de divórcio quando o amor acaba?”.
O divórcio-sanção é algo que só por si, não tem pontas por onde se lhe pegue. Compreende-se deste, a necessidade de sancionar uma das partes por incumprimento. Sendo que, o cumprimento não está esclarecido nem o âmbito do que se pretende sancionar está totalmente compreendido. Inserir a culpa na legislação, não faz sentido, porque com isso não estamos a prevenir a possibilidade das partes renunciarem ao casamento por separação de facto ou violação de direitos; estamos sim a restringir o acesso ao divórcio daqueles que simplesmente querem deixar de estar casados com alguém. Mantenhamos em mente que algo que não é legislado, não é proibido. Assim a lei pode e deve ter algo a dizer quando não regulamenta ou quando regulamenta o seu oposto.
As verdadeiras questões em torno do divórcio unilateral estão no que toca aos bens e aos filhos, ou seja, no que fica após a dissolução do casamento e não a decisão propriamente dita. É bom que se diga isto pois tende-se a confundir os campos consoante as conveniências de opinião. Aqui impera a necessidade de igual protecção de ambas as partes (ou partes terceiras), algo que surge da justiça e não do impedimento. É necessária a criação de condições favoráveis ao divórcio unilateral saudável, que foquem sobre a universalidade dos benefícios ou malefícios. Estou convicto que após a adopção deste tipo de divórcio, acompanhada da tentativa de consciencialização colectiva do que este significa, a curto prazo seu número aumentaria, porém a médio-longo prazo assistiríamos a uma estabilização, senão redução dos números.
Por estas e mais razões, sou pelo divórcio unilateral.