segunda-feira, 7 de abril de 2008

A família democrática


Com a questão do divórcio e com uma juventude cada vez “mais violenta”, surge a discussão em torno da instituição família. A alteração dos padrões sob os quais a família assenta, suscita um rol de preocupações, mais devido às implicações que estas alterações têm a nível social. Fala-se na desintegração do tecido familiar ou na desagregação da família como causas da “crise de valores” que supostamente assola a nossa sociedade moderna. Será… poderá a família ser a causadora de uma anomalia no seio da sociedade humana? A história da família é a história do Homem, que não é de todo marcada pela imutabilidade. A capacidade de adaptação, característica da nossa espécie, é algo que é partilhado com a instituição família. Na realidade, para tudo, adaptar é sobreviver. Seria viável uma família tal como as que existiam no tempo dos nossos avós, nos meandros da sociedade actual? Deveríamos encarar este fenómeno de mudança como uma evolução positiva ou como uma degenerescência do que a família foi outrora?


Como já afirmei num post anterior, “escolhe-se o ano e/ou a zona geográfica e escolhemos o tipo de família, sendo todos perfeitamente funcionais”. Pois o tipo de família varia de acordo com aquilo que dela é necessário, mesmo que à primeira vista este pareça ser um processo arbitrário. Hoje em dia deparamo-nos com um conjunto de situações que não estavam presentes anteriormente. A igualdade da mulher perante o homem é algo relativamente recente e trás consigo mais um elemento dissuasor da unidade familiar que vigorava previamente. As mulheres estão cada vez mais a atender às suas aspirações profissionais o que retira tempo daquele que seria passado a cuidar da família. Neste contexto o homem é chamado a prestar auxílio em actividades familiares que eram da exclusiva responsabilidade feminina, trazendo um novo elemento à equação familiar. O tempo passado em família tem vindo a ser exponencialmente reduzido. As necessidades que emergem do mundo moderno fazem com que actividades familiares, tais como refeições em conjunto, tempo de lazer e uma maior interacção familiar, não sejam possíveis com tanta frequência. A redução dos números que compõem a totalidade do agregado familiar é outra circunstância que nasce do mundo moderno e que também condiciona a família. As famílias mono parentais e as compostas por membros do mesmo sexo trazem consigo elementos novos para o que pode ser considerado uma família. Todos estes aspectos acima mencionados, requerem só por si um reajustamento do que significa, e como pode ser atingida a qualidade da família.


A democracia trouxe para a sociedade condicionantes que são de alguma maneira novos para a psique da consciência colectiva. Alguns destes condicionantes são sem dúvida a igualdade formal, o respeito mútuo, a autonomia, os direitos dos indivíduos, a autoridade aceite e a discussão pública sem violência. A família está absorver a essência dos processos e significados democráticos, adoptando-os na vida familiar. Estes são aspectos que podemos encontrar na maior parte das famílias de hoje, dado que a igualdade formal, associada com o respeito mútuo e com a maior autonomia dos seus membros caracterizam a vida familiar de hoje. Isto em contraste com o regime vertical de poder que dominava até então. A discussão “pública” e a autoridade aceite (por oposição à autoridade imposta) é algo que tem vindo a ganhar relevo e significa um passo em frente, quer para uma maior democratização desta instituição, quer para o seu potencial educativo no que se refere à inserção no mundo actual. É sabido que a família não esgota o seu potencial na capacidade educativa, pois a estabilidade familiar fomenta a coesão social porém, o contrário também pode ser considerado o que evidencia o carácter inter relacional destas duas realidades (sociedade e família). A democracia como propiciadora da livre e mais acessível informação, leva a que o efeito de cada um destes aspectos democráticos sobre a família seja potenciado.


A família já está a democratizar-se e ao fazê-lo está a ajustar-se às necessidades circunstanciais de uma sociedade diferente. A democracia é mais um dos factores que exerce pressão sobre a sociedade, que por sua vez traduz-se na influência sobre o indivíduo. Não será um passo muito grande, o de considerar que o que se impõe ao indivíduo, impõe-se à família, especialmente numa altura em que o espaço individual ganha mais relevo dentro da própria sociedade. Assim, o agente de socialização que é a família está a agir como sempre agiu, servindo de elo entre a actualidade da sociedade e as gerações futuras, enquadrado num processo contínuo de renovação social. A avaliação desta mudança segundo critérios valorativos ou “saudosistas” é incompleta à partida dada a vastidão de circunstâncias que estão em jogo. De qualquer maneira penso que mesmo fazendo-o, não podemos incorrer numa análise negativa, a não ser que usemos premissas demasiado lineares. Acontece que a família, tal como o individuo, é mais dinâmica e permite uma melhor absorção do que se passa na sociedade mais ainda do que a consciência colectiva que tende a resistir melhor à mudança. Existe todo um conjunto de forças de bloqueio que embora tenham uma função de manutenção da sociedade, actuam de forma a atrasar a adaptabilidade da consciência colectiva. As consciências individuais são nesse sentido mais permeáveis, o que proporciona um grau de adaptabilidade superior ao da colectiva. Não podemos no entanto deixar de parte que estas são realidades reciprocamente influenciáveis e assim o sendo, são interdependentes no que concerne à velocidade da adaptação.


A “crise” da instituição família que agora atravessamos, pode não passar da “crise” da falta de dinamismo da consciência colectiva sobre os aspectos básicos da composição de um dos núcleos internos da sociedade. Se assim for, a crise assenta não sobre a família, mas sobre a maneira como nós a encaramos, o que aumenta o stress social que é imposto sobre essa instituição, ao invés de aproveitar recursos e encaminhá-los para a verdadeira resolução dos problemas que tinham como intuito resolver em primeiro lugar.

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