O sexo, fonte de prazeres, desejos e ensejos, acompanha o ser humano desde os seus primórdios. Não será difícil compreender o porquê do sexo ter um papel central na vida humana. De um ponto de vista reprodutivo desempenha uma função regeneradora da nossa espécie, porém o sexo é mais do que isso. Muitas vezes foi, e continua a ser uma força motriz da acção humana, um algo que impulsiona os instintos, motiva as paixões e condiciona quereres. Dada a sua natureza, é apenas um pequeno passo, aquele que nos leva ao uso do sexo como um meio para atingir determinado fim. Despido de moralidade, o sexo não é mais do que uma acção, e assim o sendo, pode ser instrumentalizada. Sou da opinião que o acto de proporcionar sexo a outrem, com vista a obtenção de determinado beneficio, está mais enraizado na sociedade humana do que aquilo que muitos gostariam de crer. Poder-se-ia pensar que me refiro a este facto como algo intrinsecamente mau, no entanto, essa conotação perder-se-ia na realidade do que realmente é, pois no caso de o benefício ser mútuo ou meramente altruísta, não deixa de ser uma instrumentalização e passa a ganhar contornos diferentes.
Com a prostituição o objectivo é claro, não dando margem para enganos, pois em troca do sexo, obtêm-se uma “compensação” monetária. O que poderá variar são os aspectos externos ao acto, ou seja, as condições sob as quais o individuo se prostitui e/ou os condicionantes à sua liberdade de escolha. Podemos ter objecções de natureza moral quanto ao desempenho desta profissão, no entanto não podemos julgar as acções de outros mediante a nossa concepção de moralidade, até porque a moral varia de acordo com as premissas que a sustentam.
A prostituição enquanto actividade, sempre teve presença nas sociedades humanas, chegando mesmo a ser considerada sagrada com os sumérios. Por entre os gregos, a prostituição também sempre esteve presente, com impostos relativos ao exercício da profissão. As prostitutas eram classificadas numa escala que ia das “pornai” às “hetaera” – estas últimas frequentavam as reuniões dos grandes intelectuais e eram muito respeitadas. Pensa-se que estas tinham inclusivamente, influência junto da política grega da época – e regiam-se por um conjunto de regras, como por exemplo a utilização de roupas que as identificassem. O Império Romano também não era estranho à actividade, e mesmo no antigo Israel haviam prostitutas – embora a prostituição fosse proibida pela lei judaica – a prestar serviços relacionados com a sua profissão. Mais perto de nós, existem registos que demonstram a existência de prostituição no tempo dos povos Iberos.
Já na Idade Média, durante a ascensão do Cristianismo a prostituição sobrevivia, numa relação amor\ódio com os poderes instituídos, pois mesmo sendo amplamente condenada, era considerada um mal necessário. Em 1170, o nosso D. Afonso Henriques, deu inicio à repressão da actividade, com ordem de prisão às meretrizes. Desde essa altura os Reis que lhe seguiram mantiveram uma atitude repressora, com castigos ou mesmo com a pena capital. No século XVII, assiste-se à regulamentação da prostituição em Portugal, com assistência médica obrigatória, de modo a se poder evitar a propagação de doenças. Já em 1780, D. Maria I, proíbe a prática da actividade em alguns locais, sendo que em caso de não cumprimento seria imposta uma pena de prisão. Oitenta e cinco anos depois (1865), o regulamento de Braamcamp torna obrigatória a matrícula policial, sem qualquer atribuição de direitos políticos ou civis. Esta foi uma altura em que as prostitutas eram presas, humilhadas, deportadas e violentadas pelos agentes policiais. Entre a polícia sanitária e as inspecções requeridas, as prostitutas sofriam autênticos horrores. Nos finais do século XIX, surge um novo Regulamento da Polícia Sanitária que obrigava as prostitutas terem o livrete sanitário sempre consigo, sendo-lhes aplicada uma multa em caso de não cumprimento. Em 1963, Salazar e o seu Estado Novo ilegalizou a prostituição em Portugal, lei essa que foi entretanto revogada com o advento da democracia.
Desde então a prostituição tem vindo a ser ignorada pelo poder político, criando uma situação de “limbo jurídico” em relação à actividade. Poder-se-á dizer que a prostituição é descriminalizada, ou melhor, nem é carne, nem é peixe [é carxe ou peine, como preferirem…]. Isto acontece pois este é um assunto muito delicado, o que impõem custos ao grupo politico que eventualmente propuser alterações – seja em que sentido for – logo, o melhor é “não ter posição oficial sobre a matéria”, ou seja, “acobardamento político para não prejudicar muito as sondagens”… enfim…. Em alguns países a situação é a mesma que a portuguesa, porém outros países já tomaram posição acerca da matéria. De acordo com a revista do DN, Noticias Sábado: na Alemanha a prostituição é legal desde 2002; na Nova Zelândia o parlamento legalizou-a em 2003, sendo que a licença de bordel pode ser retirada a quem tenha sido condenado criminalmente ou tenha cometido delitos graves relacionados com o crime organizado; na Holanda a prostituição é legal, mas só cidadãos holandeses ou de países da Europa podem trabalhar em bordéis, e só em 2000 é que a proibição de gerir bordéis foi levantada; na Suécia em 1998 foi descriminalizada a prostituição, porém o comprador de serviços sexuais passou a ser criminalizável.
Segundo a revista supra citada, irá ser apresentada – até Setembro – à Assembleia da República uma petição que visa a legalização da prostituição e das casas de passe, cujo objectivo é obrigar o poder político a enfrentar a situação. Em Dezembro de 2007 um estudo feito pela Marktest – para o DN e para a TSF – revelou que 51% dos inquiridos – 807 entrevistas telefónicas – manifestaram-se a favor da legalização. Como devem calcular esta não é uma margem que permita só por si uma vontade política quer no sentido da legalização, quer no da criminalização.
Como deveremos nós encarar este problema? Começar pelo princípio sempre me pareceu o mais coerente. Neste caso o princípio é constatar o facto de que a prostituição existe e está para ficar. Pelo menos nos casos que eu tenho conhecimento, só não vê quem não quer… No Funchal a prostituição existe e quem quer recorrer a este “serviço”, fá-lo com a maior das facilidades, recorrendo a casas de passe ou bordéis ou estabelecimentos nocturnos recreativos. [chamem-lhes o que quiserem, eles existem] Aqui em Lisboa também não é necessário muito esforço para encontrá-los, nem será difícil recorrer à denominada “prostituição de rua” ou “street prostitution” [parece que é mais “in” usar designações em Inglês… …] dada a existência de zonas específicas para o efeito. Por entre as quais destacam-se, a zona de Monsanto [a minha faculdade é em Monsanto, portanto sei do que falo] e a zona do Parque Eduardo VII. Noutras zonas do país não conheço, mas a julgar pelos exemplos que tenho não me parece que a situação seja contrária à aqui apresentada. Já para não falar que bastava abrir alguns dos jornais que por ai existem, para na secção “Relax” de publicidade, encontrar pérolas como, “bum bum gostoso”, “oral completo” ou “Duas estudantes quentes, venha conhecer-nos”. Não sei porquê, estou em crer que “bumbum” não é um tipo de chocolate, “oral completo” não é um anúncio para candidatos de um qualquer grupo coral, e que as duas estudantes faziam mais do que dar explicações. Assim sendo, penso que qualquer que seja a posição em relação à legalização da prostituição, estamos todos de acordo quanto à necessidade de legislação e devida actuação sobre o problema, seja qual for o sentido. Manter a situação em “águas de bacalhau” será com certeza muito conveniente, mas não é a atitude mais correcta a tomar.
De acordo com Pedro Moutinho – Juventude Popular – a possibilidade da prostituição vir a ser legalizada seria “um claro retrocesso civilacional”, dado que a actividade é aleatória da dignidade humana. “Entendemos que por via da sua legalização, o Estado e a sociedade se estão a demitir das suas funções de protecção da dignidade das pessoas que se dedicam a esta actividade e a assumir que nada mais pode fazer por elas do que passar-lhes um certificado de conformidade e cobrar-lhe impostos e contribuições para a Segurança Social”.
Quanto a mim, “um claro retrocesso civilacional”, seria voltarmos aos tempos em que a vida das pessoas eram controladas, mediante falsas pretensões de moralidade, superiores ao discernimento individual. Tenho também como certo que as funções de protecção da dignidade das pessoas, por parte do Estado, implica a protecção da dignidade quando violada por forças exteriores à vontade do individuo, e não por uma qualquer imposição, que condiciona essa mesma vontade, em nome de valores que ao se assumirem superiores, tornam-se reflexos baratos da opinião individual de alguns.
Inês Fontinha, presidente da Associação O Ninho – instituição de apoio às prostitutas – “Legalizar a prostituição é conceder ao Homem um poder legitimo de comprar o sexo a outros seres humanos. Legitima-se a prostituição como um sistema de dominação pela normalização da mercantilização dos sexos e dos corpos. É necessário combater as causas da prostituição e o tráfico, senão, permitiam-nos a analogia, é como deixar de lutar contra a escravatura e o sistema esclavagista para lutar apenas contra o tráfico de escravos.”
Mediante tal argumentação, permitam-me a analogia, sinto-me como se tivesse a dizer a uma criança, que o Pai Natal não existe, pois considero que um sistema de dominação pela normalização da mercantilização dos sexos e dos corpos que denigre efectivamente os visados, é melhor servido pela não regulamentação ou mesmo ilegalização da prática. Devo também acrescentar que o poder legitimo verdadeiro, sobre a compra e venda de sexo, não é de todo aquele que deriva da lei. É antes, no verdadeiro sentido, aquele que advêm da livre anuência de quem vende e da vontade de quem compra, independentemente da opinião de seja lá quem for sobre a prática.
De acordo com a Juventude Comunista Portuguesa, a regulamentação serviria para “favorecer o negócio dos proxenetas, os únicos que lucram com a exploração sexual de quem se prostitui”. Assim, entende que a regulamentação favoreceria “todos os aspectos da indústria sexual”, na medida em que “clientes e proxenetas são transformados em parceiros comerciais e empreendedores sexuais, protegidos por lei”. “Consideramos que as mulheres, e homens também, não podem ser equiparadas a produtos comerciais e a prostituição equiparada a uma profissão\trabalho.” A regulamentação da actividade contraria “o que foi estabelecido na 93º conferência da Organização Internacional do trabalho”. Realizada em 2005, onde o trabalho foi entendido como uma actividade humana produtiva que contribui para o desenvolvimento pessoal e a integração social.
Aqui, digo simplesmente que a regulamentação – associada à necessária monitorização – favorece “todos os aspectos da indústria sexual”, o que inclui as “trabalhadoras\es do sexo”. Aliás se há alguma lição a aprender da história em relação a proibições, é que as condições de quem trabalha numa área que sucumbe à ilegalização, sofrem uma deterioração, associada a uma perda de liberdades. Dada a simplicidade do conceito, escuso-me de mencionar as razões que me levam a encarar a mulher e\ou homem que se prostituem, como prestadores de serviços e não como produtos em si. Quanto à equiparação da actividade com uma profissão\trabalho, limito-me a realçar a demasiada simplificação inerente á classificação do trabalho, como uma actividade humana produtiva que contribui para o desenvolvimento pessoal e a integração social [ainda que pessoalmente, conseguiria encaixar nesta designação, a prostituição]. Num mundo cor-de-rosa esta designação seria verdadeira, porém na realidade, muitos são os trabalhos que não contribuem para o desenvolvimento pessoal e que estão longe de contribuir para a integração social [posso garanti-lo porque já trabalhei em alguns desses trabalhos].
Faço minhas as palavras de, Jamila Madeira – eurodeputada PS – quando considera que a legalização permitiria aos seus profissionais, “deixarem de estar votados a uma situação de marginalidade e exclusão social, quer em termos de protecção social quer em termos de direitos sociais”. Que chegou a acrescentar que quem exerce uma profissão tem rendimentos e por isso “deve ter a possibilidade de poder prová-los”.
Uma legalização deste género requer uma análise cuidada da situação real, de modo a que possam suprir, quaisquer continências negativas que possam daí advir. Não pode ser feita às três pancadas, na óptica do depois vê-se, coisa que até é comum em Portugal e em particular neste governo. Seria recomendável que se usufruíssem das experiências estrangeiras nesta matéria, estudando os casos de sucesso e as dificuldades que foram surgindo. Isto, partindo do principio que se evita a tendência muito portuguesa, de pegar nos casos de sucesso, fazendo um “copy-paste” para a realidade portuguesa, deixando as especificidades nacionais ficar pelo caminho.
Fico-me com uma citação - retirada da revista NS - que pertence à petição que será entregue à Assembleia da República:
“Qualquer cidadão é livre de escolher a sua profissão ou o género de trabalho, de fazer as suas opções sexuais e de dispor do seu corpo como entender”