A discussão em torno do problema da indisciplina nas escolas, subiu de tom após o caso da aluna – telemóvel – professora, que captou a atenção do público. É certo que a atitude da aluna, bem como a da maioria dos seus colegas, é reprovável… mas acalmem lá os cavalos. Para caracterizar o nível a que chegámos, cito Rui Tavares, na sua crónica no jornal o Público, quando ironizou: “Pegamos naquela aluna indisciplinada da escola do Porto que brigou com a professora por causa de um telemóvel, fazemos um círculo em torno dela com todos os comentadores, políticos, espectadores e treinadores de bancada, e apedrejamo-la. (…) Se não resultar, fazemos o mesmo à professora, depois aos pais e finalmente à ministra.” (e não, a ministra também não merece)
O primeiro problema que ressalta deste caso é o de que só pensaram em fazer alguma coisa, quando o caso chegou aos média. Por puro desconhecimento com certeza, pois um caso destes não passa de boca em boca numa escola, como se tivesse fogo no rabo; mas, aqui é mais um “problema tipicamente português” e não especificamente daquela escola. O do deixa andar até que se parta, para não mexer muito as águas.
O segundo problema é que ao invés de promover a busca pelas causas deste fenómeno, reduz-se o seu âmbito causal a um conjunto de noções preconcebidas: os pais são demasiado permissivos; os professores têm demasiadas restrições; a sociedade moderna tende a relegar para segundo plano as tradições e por conseguinte a moral; os alunos precisam de mais disciplina; a nossa sociedade está mais perigosa; a estrutura da instituição família está a desmoronar-se.
Isto é tudo muito bonito… errado… mas bonito. Cada um destes argumentos tem uma verdade em si, porém falta-lhes a contextualização e a sua correlação com outros factores. A título de exemplo, a instituição da família e a sociedade estão a mudar, no entanto a causa de conflitos é que o Estado e as consciências não se estão a adaptar à dinâmica social que se lhes impõe; ou os pais estão na generalidade mais permissivos, porém isso não serve como causa única para os desregramentos dos filhos. Convém fazer com que as explicações fáceis tomem a dianteira sobre outras. É de explicação mais simplificada, dá menos trabalho a resolver e não fere algumas mentes mais conservadoras. Tratar este problema assim, trará um só resultado. O de impor regras cada vez mais restritivas, na tentativa de resolver a questão obrigando a que a autoridade seja introduzida de cima para baixo (ou de fora para dentro). Proibir, proibir e proibir.
Como a democracia há muito se apercebeu, a autoridade funciona melhor e por mais tempo, quando coberta pelo manto da legitimidade. Nas escolas o princípio deverá ser o mesmo. A democratização da escola não se esgota nas relações escola-docente ou escola-aluno. A relação docente-aluno é tanto ou mais importante, do que as duas anteriores. Não estou a sugerir que os alunos elejam os professores e muito menos que a óptica de que a nota do aluno deva servir para a avaliação dos professores esteja correcta. Parece-me que a concepção tradicional da relação professor-aluno está um tanto ou quanto desactualizada. Os jovens de hoje estão mais expostos à informação e têm um raio de liberdade maior, o que leva inevitavelmente a uma maior consciência de si próprios e do mundo que os rodeia. O controlo sobre os jovens já não pode ser estabelecido por uma autoridade superior e impositiva, até porque isso seria contraproducente. Eles têm que querer ali estar e isto por várias razões: aumenta a capacidade de apreensão; legitima a autoridade; facilita o trabalho do professor; melhora o relacionamento interpessoal; promove a inserção na sociedade…
Existe todo um rol de problemas que têm mais a haver com os professores do que com os seus alunos. O que passa muito pela falta de formação adequada dos recém formados e de uma formação continua não existente dos que exercem. Não é qualquer um que consegue ser professor, mas qualquer um pode e sempre pôde tirar o curso. Quem não teve um professor que passava a aula toda a cuspir matéria sem trabalhar com os alunos? Ou melhor ainda, um professor que simplesmente mandava os alunos ler o livro? Dar aulas é muito mais do que expor matéria e muitos ainda não se aperceberam disso. É necessário cativar a atenção do aluno e para isso o professor tem de estar motivado, tem de gostar do que faz. Há que eliminar a distância tradicional desta relação e transpor as barreiras geracionais. Ensinar Kant, Pessoa, ou a lógica da matemática, num tom monocórdico sem ir de encontro às motivações dos alunos, sem trabalhar os conceitos, é simplesmente aborrecido.
O problema não são os telemóveis, são sim as aulas chatas.
Junte-se a esta amálgama, uma maneira de ser do ensino português que é muito própria. Falo da tendência em confundir a boa memória, com o melhor aluno. Se há uma coisa que o nosso ensino estimula, é a decorar. Decorar, pastar palha na reposta é igual a uma boa nota. O problema não é recente, já nos Maias a personagem Euzébiozinho denunciava esta característica do nosso ensino. A ironia para mim é que o professor que me “mostrou” esta obra, não se revia naquelas páginas e acreditem que esse seria um rótulo bem posto. Os alunos não estão habituados a interrelacionar a informação, nem a operacionalizar os conceitos. Saber tudo de cor para então por nos testes, é a única coisa necessária para navegar através da maior parte do nosso sistema de ensino, o que inclui o superior (em algumas áreas). Ensina-se a saber muito mas não como saber muito. Suponho que não será necessário mencionar que um aluno menos motivado, equivale a um problema na sala de aula.
Já disse aqui muitas coisas que poriam orelhas a arder, mas acho que consigo fazer melhor. Está claro que os problemas não se restringem aos professores. Temos “turmas problema” no nosso sistema de ensino? É curioso… visto que durante muitos anos algumas escolas mantiveram a política informal de agrupar alunos consoante as suas capacidades ou o seu comportamento, já para não falar noutros critérios menos nobres que me assaltam a mente. Não considero possível provar tal afirmação, mas lá que é verdade é. Não duvido que as intenções eram boas ou talvez duvide, não obstante, esta não é uma circunstância que altere pela positiva as condições de disciplina nas aulas.
A vida de alguém que lecciona não é feita simples quando se depara com turmas muito grandes, como aquelas que caracterizam as nossas escolas. Assim, não é possível atingir os níveis de personalização do ensino que seriam desejáveis. Estou certo que reduzir o número de alunos numa turma, não se enquadra no quadro de critérios quantitativos do actual governo, porém nem sempre os fins justificam os meios. Especialmente em detrimento da qualidade da nossa sociedade e dos nossos jovens.
Outro dos factores que nunca é tido em conta quando se ouve falar neste assunto é o do tempo que as aulas demoram. Mas será possível que quem decide nunca tenha tido aulas ou simplesmente já se tenha esquecido. Noventa minutos?… Noventa minutos, no secundário, a prestar atenção a toda a matéria… pois… mas não. A este ritmo só vão resolver o deficit de atenção relacionado com o telemóvel, quando os alunos os trocarem por minicomputadores.
Engana-se quem está a pensar que na minha carreira de estudante só tive maus professores. Tive alguns muito bons e é por causa deles que escrevo este texto.
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