Estamos com as europeias à porta; os partidos e respectivos candidatos andam num frenesim eleitoral, escarafunchando por votos em todos os cantos, distribuindo promessas como se fossem doces, e apontando os dedos uns aos outros, na esperança de captar os votos que cairiam ao lado das urnas por pura desilusão. Mas alto e para o baile… pois há um ponto comum no regurgitar eleitoral… vale a pena votar… é importante votar… valerá? será?
As europeias são eleições fortemente marcadas pela abstenção… a bem dizer, as eleições (ponto) são fortemente marcadas pela abstenção.
A abstenção é sempre vista como o monstro da democracia associado à participação política, como uma espécie onda de despolitização dos cidadãos [como se tal fosse possível] que temos de impedir a todo o custo. Será a abstenção falta de consciência política, ou estará a consciência política por trás de tal mobilização?
Desde à muito esforçamo-nos por estabelecer os factores explicativos de tal comportamento, sempre do ponto de vista de uma não decisão de voto. As pessoas que vêm a política como algo negativo, as pessoas indiferentes à política, a percepção de utilidade da eleição, o sexo, a idade, o grau de integração, o contexto espacial [urbano ou rural], a proximidade dos actos eleitorais, o contexto da eleição [local, nacional ou europeu], a profissão, a escolaridade… enfim, um sem número de causas que enfocam o porquê da não participação política.
Porque não encararmos a abstenção enquanto escolha eleitoral? Mais fácil seria, para distinguir os não votantes simplesmente porque sim, dos não votantes enquanto escolha política, se estes últimos fossem votar e deixassem os boletins em branco. Na prática, quantas pessoas dão-se ao trabalho de ir votar para deixar o boletim em branco? Algumas certamente, mas poucas…
Está claro que isto não significa que todos os que não votam fazem-no apoiados numa consciência política. Existem os desinteressados, despreocupados, etc. Mas mesmo estes poderão ser descartados como tendo pouca ou nenhuma consciência cívica?
Com as europeias surge o fantasma da praia… o bom tempo… ahhh!… o mar… os passeios… Serão estas eleições vitimas do timing e assim, das condições meteorológicas? Se fossem no inverno a culpa seria com certeza da chuva… no Outono, do vento… na Primavera, das alergias. Nunca dos políticos e partidos que quebram promessas eleitorais, que encaram a democracia como o campo dos arrufos e das disputazinhas, que tratam os seus programas como mezinhas eleitorais, que em campanha falam com todos, por todos e para todos, enquanto durante os mandatos ignoram-nos [a todos], que apontam dedos com a mesma destreza e displicência como a que sacodem a água do capote, que usam e abusam do poder como se de um direito divino se tratasse. Nada a haver?
Vejamos as justificações mais comuns: “Prometem, prometem, mas não fazem nada”; “Quando lá chegam fazem todos o mesmo”; “São todos iguais”; “Andam todos a comer do mesmo saco”. Embora a maior parte das pessoas que usam tais expressões [que já caíram em lugar-comum], não consigam identificar as situações específicas, o porquê ou o como, isto não quer dizer que não saibam do que estão a falar. Os factos políticos costumam perder-se na maioria das memórias individuais, porém, estes tendem a deixar vestígios residuais na memória colectiva, que transparecem através do senso comum, que neste caso grita… berra… a política não presta, porque os políticos não prestam.
Depois aparecem os que dizem que já não há causas, que já ninguém luta por nada, como se não fosse o suficiente mobilizar-se pelo seu próprio bem-estar. Uma coisa é verdade, o declínio da identificação partidária já não proporciona o confortável encosto ideológico, na mobilização política. Já não basta ir contra a direita ou lutar contra a esquerda. Para além de que usar estes chavões para pedir o voto, é em si, uma derrota da própria democracia, pois tal movimentação pertence à esterqueira do populismo barato, apoiado na retórica ideológica. Não deixem que os partidos passem de mobilizadores da vontade política, para meros condicionadores de tal vontade.
Já havia afirmado anteriormente e mantenho: “Os regimes mais opressores cedo perceberam que a participação política trás consigo bagagem, e não demorou muito para as democracias se aperceberem desse facto. O eleitor é bom para eleger, e pouco mais. As promessas vencidas, a primazia o período eleitoral, o clientelismo e as manobras políticas, fazem mais pela apatia politica do que muitos dos factores externos ao sistema político.”
Os partidos não querem a participação política, querem o voto e o posterior silêncio. Aliás, outro dos aspectos que indicia esta pretensão é a busca incessante pelas maiorias absolutas, perfeitamente demonstrativo que nem partidos nem políticos sabem agir em democracia. A verdade, é que a democracia não reponde bem a quem tenta controla-la, coisa que parece passar ao lado destes senhores(as). Enfim…
Podemos nós julgar os que se estão nas tintas para votar? Em tempo de crise, onde todos sofrem; os eurodeputados vão ser aumentados; os partidos recebem balúrdios do erário público; na Assembleia da República o contribuinte paga as obras, o ar condicionado, os computadorzecos xpto, os painéis gigantes, e os sistemas disto e daquilo; os políticos renovam os seus carros topo de gama, com direito a motorista e limpa traseiro de algodão; os grandes andam a saltitar de cargo em cargo, de cunha em cunha, todos muito bem remunerados, como se o país fosse só deles; são gastos milhões para salvar a banca, como se essa fosse a única salvação… E o Zé, que anda a juntar meia dúzia de tostões para comprar um pacote de massa marca continente, vai tirar o pouco tempo livre que tem para passear [aqueles que têm dinheiro para isso], para ir votar nestes senhores?
Vamos então à utilidade da eleição europeia. Como é que o cidadão comum, que de processos políticos já percebe pouco, poderá dar valor às europeias, quando os próprios partidos desenvolvem as campanhas que estão à vista de todos? Desde que iniciou a pré-campanha, os partidos insistiram em debater a política portuguesa. Vá lá que a uma semana das eleições o PS decidiu concentrar-se na Europa. Só é pena que a decisão foi tomada porque, verdade seja dita, pela política nacional o PS só se enterra. De quando em vez lá vem um ou outro europeísmo, e pimbas… volta ao mesmo. Junto com isto, os políticos insistem no jogo das culpas e do passado [dos outros claro está] que raramente surte efeitos e nunca apresenta resultados. Já para não falar nos príncipes e princesas que dizem de boca cheia, votem em nós para castigar os outros. Não consigo pensar em melhor razão para votar em alguém. Amigos se quiserem castigar, ou melhor ainda, julgar o desempenho de algum partido, não o façam votando nos choramingas que por ai andam [a não ser que concordem com as suas propostas]. Simplesmente não votem em ninguém.
A mobilização política tem vindo a esmorecer em Portugal? Errado. O voto tem vindo a esmorece,r como consequência das atitudes e desempenho dos políticos e partidos, algo que demonstra uma forte consciência política, dado “o estado a que chegámos”.
Vale a pena votar? Pois com certeza que vale… vale a pena ir, e não votar em nenhum. Melhor dizendo votem nulo, pondo as cruzinhas em todos, não vá uma qualquer alma desorientada, pôr a cruzinha por si.
Miguel Portas disse, e disse bem: “Vale francamente a pena votar no próximo domingo, 07 de Junho. Estamos perante uma extraordinária oportunidade de cada um de nós, de cada uma das pessoas que me está a ouvir de poder dizer através do voto o que realmente lhe vai na alma.”
Pela segunda vez, falando nesta coisa chamada voto, vou buscar Fernando Pessoa: “ O voto popular não é uma manifestação da opinião pública, é uma expressão de sentimento.”
Os resultados eleitorais falam por si e demonstram o sentimento dos cidadãos em relação à política. No dia 7, digam através do voto o que lhes vai na alma e votem nulo
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(nada de chico-espertismos)