quinta-feira, 27 de março de 2008

Felicidade Interna Bruta



A Felicidade Interna Bruta (F.I.B.), que foi anunciada num discurso do Druk Gyalpo Jigme Singye Wangchuck em 1992, é posta em oposição ao Produto Interno Bruto (P.I.B.) como um indicador de desenvolvimento no Butão. A existência do F.I.B. deriva de quatro factores que influenciaram directamente a política butanesa. Esses factores são a criação indígena da nação, a ausência de um domínio externo no país, a segurança nacional e a influência do budismo no país.


A maioria dos indicadores, são quantificáveis e uma maneira de medir os meios não os fins. O F.I.B., por sua vez, é um indicador qualitativo que estabelece um fim em si mesmo, transformando-se num princípio orientador da política do governo. Este descreve o propósito do crescimento no pensamento filosófico e politico butanês, apoiado na filosofia budista onde o desenvolvimento é a iluminação. Os países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento têm no conteúdo das suas politicas, os critérios de uma base material de uma boa vida, onde a posse e o consumo são necessários e a felicidade é um feliz subproduto. A ideologia que está por trás do F.I.B. encara os objectivos de uma economia de mercado como relevantes quando visam o bem-estar humano, pois a jorpa (riqueza) é necessária para atingir a dewa (felicidade), mas nunca pelo excesso desta.

Na teoria política budista o Estado existe para o bem-estar de todos os seres, pois o facto do Homem estar no topo da hierarquia é considerado um falso conforto, tendo em conta a rede de relacionamentos inter dependentes. Para o budismo a realidade não é vertical, mas sim circular, assim sendo um desenvolvimento sustentável e o cuidado pela natureza é do interesse de todos os seres. Com a aplicação do F.I.B. o Estado está incumbido de remover restrições à felicidade, logo o objectivo não é a eficiência económica, mas a maximização da felicidade. A inclusão do desenvolvimento ecológico e cultural nas políticas nacionais tem um custo, pois faz com que os projectos sejam mais caros a curto prazo, mas acabam por compensar a longo prazo e restringem os interesses económicos “cegos”.

O F.I.B. serve-se de seis princípios de desenvolvimento para a sua aplicação:
1º - O primeiro princípio é o da autoconfiança económica baseada numa auto-suficiência.
2º - O segundo princípio é a preservação do ambiente e tem factores favoráveis à sua aplicação tais como, instituições indígenas de manutenção da propriedade comum, uma cultura de conservação fortemente enraizada e uma legislação favorável.
3º- O balanço no desenvolvimento a nível regional é o terceiro princípio que foca a manutenção de um nível igual de desenvolvimento por todo o país, o que desencoraja o êxodo rural e a demasiada urbanização de alguns centros populacionais.
4º - O quarto princípio é a descentralização do poder e faz parte de um processo que foi iniciado pelo Druk Gyalpo em 1981, que tem como objectivo a estimulação do poder de decisão local.
5º - A preservação cultural é o quinto princípio e tem como objectivo a existência de uma consciência cultural no desenvolvimento de prioridades, para combater os sinais de homogeneização ou de identidades culturais desfocadas trazidas pelo fenómeno da globalização. O melhor exemplo de uma política de preservação cultural é o Driglam Namzha (código de etiqueta e maneiras), que foi posta em prática em 1988 pelo Druk Gyalpo. Este código impõe a todos os cidadãos um código de conduta e de vestuário pois os homens têm obrigatoriamente que usar o gho e as mulheres têm que usar a kira. Considera-se que os tecnocratas, que cada vez mais dominam a nação, têm uma pobre noção de orientação cultural e uma visão diminuta do futuro da sociedade, o que condiciona a continuação deste princípio.
6º - O sexto princípio é o do bem-estar da população e é a esfera da orientação do F.I.B. Os serviços de saúde e educação gratuitos e o bem-estar espiritual são os aspectos visados deste princípio e directamente aplicados na prática.


No Encontro do Milénio pela Ásia e Pacífico em 1998, o então primeiro-ministro do Butão, Lyonpo Jigmy Thinley argumentou em defesa do F.I.B. que as prioridades da maior parte dos países estão mal direccionados e as aparentes escolhas nacionais levam a escolhas públicas piores. Ofereceu como exemplo a compra desmedida de carros que leva a engarrafamentos ou até a despesas militares exacerbadas que levam a mais instabilidade e a menos segurança, afirmando ser contra produtivo para os países.Um país que aplique a ideologia que está por trás do F.I.B., tende a tornar-se um Estado de Providência por excelência.


Outro dos argumentos usados pelos defensores do F.I.B. é o de que a ameaça à economia global vem de duas fontes, o aumento populacional e o aumento do consumo, logo um planeamento familiar é importante para estancar o crescimento populacional. Mas a diminuição do consumo desmedido por parte de cada indivíduo também é importante na construção de uma mais feliz rede de relacionamentos humanos e a redução da intrusão destrutiva da acção do Homem no ambiente.


No Butão a aplicação desta política tal como ela tem vindo a ser estruturada poderá estar a chegar ao seu último suspiro. A transição para a democracia põe em causa a força dos princípios que justificam esta política. O poder de uma maioria está mais sujeito a mudanças ideológicas e práticas criadas por um conjunto de factores circunstanciais que não são tão facilmente controláveis dentro de uma sociedade. A tendência que os vários interesses financeiros exercem num país orientado democraticamente, implicam algum grau de cedência por parte dos titulares do poder, que em última análise poderá comprometer uma aplicação contínua do F.I.B.

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