segunda-feira, 21 de julho de 2008

Sobre o Ensino Superior (2)


Muitos foram os alunos que já tiveram aulas neste Instituto com professores que aparentemente não reconhecem a palavra pedagogia, como fazendo parte da língua portuguesa, isto porque se esqueceram que um professor é na verdade um professor (na verdadeira acepção da palavra). Não são todos, mas são os suficientes para criar problema. Devo relevar que este é um drama do ensino superior e não do meu Instituto. Seria espectável que um professor no ensino tivesse sido sujeito a provas pedagógicas antes de exercer, coisa que não acontece nunca. O modo como os professores chegam ao ensino superior diz muito sobre a qualidade do ensino. Neste caso falamos num acesso que não está sujeito a um concurso público. Os professores brotam das lealdades e conhecimentos, sujeitas sempre ao poder discricionário e controlador do momento. É verdade, a bela da Sr.ª cunha está em todas. O que vejo sinceramente é a proliferação do lambebotismo, da ineficácia, do fraco aproveitamento das possibilidades e da continuação de um desenvolvimento inerte. Paralelamente com uma maior democratização do acesso à docência, torna-se imperioso que se deixe pelo caminho a criação de pedestais destinados aos docentes, que alimentados pela opulência intelectual e pelo orgulho inchado, criam um distanciamento muito pouco produtivo [Desçam à terra, porque vive-se melhor cá em baixo]. Esta vivência não foge muito do sindroma do Sr. Doutor, muito comum em Portugal.


O exemplo dos “professores” que dão o nome às cadeiras e nem lá põem os pés, deve-se à existência de um poder discricionário indevido e pouco regulado, bem como a uma mentalidade de cerco, conservadora e auxiliada por uma rede de relações fechada e centrifuga. Mediante esta realidade poucos são os exemplos de inovações e de desenvolvimento concreto. Há coisas que são aceites simplesmente porque sim [aceites mesmo pelos alunos]. Dou o exemplo das produções dos nossos professores. Cada um tem um livrinho para que os alunos possam comprar de modo a que possam passar nas cadeiras [uma tese de doutoramento, de mestrado, etc.]. O que tem de mal? Em principio nada, não fosse esta uma maneira de condicionar a investigação e o conhecimento. Do ponto de vista do conhecimento, na medida em que ficamos condicionados a uma forma de ver as coisas [em ciências sociais e políticas é critico] e na investigação, pois esta torna-se balizada pelo seu objectivo último [que é vender aos alunos]. Numa das minhas cadeiras tive um professor que nos quis vender uma sebenta [essencial para passar a cadeira, segundo ele] de sua autoria, por 60 euros, que só estava à venda numa determinada livraria. Claro está que o Sr. professor teve o cuidado de nos advertir para o facto que fotocopiá-la era ilegal e que ele não iria admitir, caso encontrasse alguma cópia. Informação importante pois assim ele não receberia a sua percentagem [não se devia vender muito bem]. É de se notar que nesta cadeira não eram proporcionados slides ou outro material de apoio.


Felizmente para os discentes, esta tendência para a falta de materiais de apoio está a ser reduzida, no entanto persiste ainda a mentalidade do decora, decora, decora… põe, põe, põe… No sistema de ensino em que me insiro, a capacidade de memorização é incentivada e cultivada, mais do que qualquer outra, em detrimento da racionalização e operacionalização de conceitos. Erradamente pensei que me livrava disso no secundário, porém, fui outra vez embebido pela concepção de que não interessa como se usa o conhecimento, o que interessa é a quantidade de ideias que se consegue atafulhar lá para dentro. Tive algumas [muitas] cadeiras onde o importante era cuspir para o exame ipsis verbis aquilo que estava escrito nos livros. Estou a exagerar? Gostaria eu que estivesse. Simplesmente gravar as coisas na memória não nos prepara para o futuro. Você não sabe de cor os 20 items de cada um dos autores A, B, C, D, E, Y e Z., ou os 15 pontos da teoria geostacionária do não sei das quantas? BAHHHHH! Dos melhores exames que já tive [na minha opinião] foram os de consulta, onde os professores organizaram o exame de maneira a que com a informação disponível, pudéssemos providenciar explicações e interrelacionar os conceitos. Para minha surpresa foram estes mesmos [poucos] exames que causaram mais reclamações por parte dos alunos. Faltava-lhes o “guião”… Uma coisa é decorar, outra completamente diferente é compreender. Já para não falar que estes exames são mais difíceis de fazer e corrigir. O aluno não foi feito para pensar, preferimos criar um bando de copistas…


Voltando aos mestrados e doutoramentos, é de conhecimento geral que um dos piores pecados que se pode cometer é fazer uma tese sem que se mencionem nomes e trabalhos dos Iluminati da casa [um autentico sacrilégio, diria eu]. À boca pequena diz-se que convêm fazê-lo. Acontece que as pessoas têm medo de fazer uma tese sem uma referência destas, o que mostra bem o estado controlador da componente investigação. Ainda sobre o tema, já algumas vezes ouvi [nunca aconteceu comigo] falar sobre o aproveitamento da posição de autoridade de professor, para fazer com que os alunos façam as partes mais chatas das suas teses [não foi no ISCSP]. A título de exemplo conheço um caso em que um determinado professor, por não entender muito de inglês, faz com que os alunos traduzam os artigos científicos, como trabalho para casa. Vá lá que os temas dos artigos servem para as cadeiras, não obstante, esta é uma falta de consideração pelos alunos e um claro abuso da condição de professor. Conheço um outro caso em que foram entregues inquéritos aos alunos, para que estes os fizessem e distribuíssem, sob o pretexto de discutirem posteriormente as implicações dos resultados obtidos. A cereja no topo do bolo é que neste caso o professor nem se deu ao trabalho de “discutir os resultados” na aula. Não deve ter tido tempo…

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